domingo, 20 de junho de 2010

UM HOMEM DO MUNDO

Lino de Miranda, como bom português, era um homem do mundo... viveu em muitos lugares, deu grandes guinadas na vida, como por exemplo, de São Pedro de Rates/Portugal (uma aldeia cujo registro de nascimento é anterior à existência da nação portuguesa) a Manaus (capital exótica do estado do Amazonas, no Brasil!!!) depois, Assis, a Princesa da Sorocabana, no interior de São Paulo e, como bom Ulisses, um dia volta a São Pedro de Rates...

Homem que sabia usar as palavras, escreveu sobre Manaus. Um texto curioso até pelos dados históricos!

RECORDANDO MANAUS

Já passaram treze anos desde aquele primeiro de Outubro em que, num Opala velho, entrei na balsa da Suframa para enfrentar o longo caminho de S. Paulo.
Tinha chegado ao Amazonas em Setembro de 74. Manaus crescera prodigiosamente nesses três anos. Saíram Frank Lima e João Walter de Andrade, entraram Henoch Reis e o Teixeirão. Fora restaurado o Teatro Amazonas e reinagurado, depois do restauro, pelo presidente Geisel, havia pouco tempo que assumira. Cantou Maria Lúcia Godói, a eterna, e mais uma vez, como é costume, ouvimos as Bachianas Brasileiras...
A cidade mudava a cada dia, corrida e varrida pelo ciclone do coronel Teixeira. O distrito industrial da Suframa inaugurava, com a naturalidade dos acontecimentos rotineiros, novas indústrias a cada semana. Acreditava-se na rodovia Manaus-Porto Velho. Havia esperança na Manaus-Boa Vista, que na época os Waimiri-atroaris não estavam deixando chegar a Caracaraí. Mas a Transamazónica dava para passar, assim como a Cuiabá-Santarém. Mais perto da cidade, na Manaus-Itacoatiara, o asfalto chegava ao Rio Preto da Eva... onde caiu, uma noite, o "frescão" cheio de gente.
Evandro Carreira, cujos discursos haviam de ficar famosos no Senado e no Brasil onde chegava a revista Veja, queria hidrovias na Amazónia e que o Brasil se tornasse "uma grande potência protéica". Fábio Lucena, Beth Azize, Farias de Carvalho, agitavam a Câmara e a Assembleia. Eunice Michilis era a primeira senadora do Brasil...
Todos os anos as águas subiam, e era um Deus-nos-acuda. Alvorada, Educandos, S. Raimundo, os barrancos dos igarapés, eram amontoados de gente, que chegava do interior, do Nordeste, de toda a parte, ou fugindo à cheia ou em busca da sorte na Zona Franca. Mas havia esperança para todos, apesar do sufoco. Manaus crescia, crescia, e crescia para todo o lado!
De dia, a criançada, de blusa branca e calça azul, passava indo ou vindo da escola. À noitinha, também de azul e branco, era a mesma revoada, mas dos adultos, que acreditavam no estudo.
Moacir Andrade era o pintor mais famoso do Amazonas. Nivaldo Santiago, um maestro que se afirmava. Havia outros pintores e outros músicos, e havia poetas. Entre estes, original e inesquecível, o Luiz Bacelar, bem mais poeta do que visconde, apesar da sua incontestada perícia em Heráldica.
Um grupo montava os "vaudevilles" de Márcio Sousa, que depois havia de publicar "O imperador do Acre". Trabalhava aí um actor que, pelo mérito e pelo esforço, merecia uma grande carreira: Moacir Bezerra.
Minha mulher, Maria Helena Moreira, tinha escola de ballet no TA (Teatro Amazonas). Muito agradavelmente me surpreendeu, alguns anos mais tarde, encontrar um aluno dela, dessa escola do TA, como bailarino da Companhia Nacional de Bailado de Lisboa. Assim como, numa série de televisão sobre os grandes rios do mundo, canadense ou alemã, não estou certo, ver abrir o pano do TA sobre uma aula de ballet que ela estava dando. Como não havia de estranhar que, poucos anos volvidos, fosse preciso restaurar de novo o teatro... e reinaugurá-lo? (O pessoal gosta de uma inauguraçãozinha...)
Faziam-se umas "semanas culturais", se bem me lembro do nome, sobre Música, Ballet, Teatro, Poesia... Articulavam-se diligências para um Centro de Artes, ligado à UA (Universidade do Amazonas), creio que para substituir e alargar o âmbito do antigo Conservatório. E durante um semestre - pasmem quantos! - ensinou-se Grego na Universidade do Amazonas. (No semestre seguinte, o Magnífico Reitor - não consigo recordar o nome dele - acho que no Amazonas não era preciso Grego nem Alemão... e cortou o barato dessas línguas inúteis ao seu conceito de cultura humanística - que custavam, na época, fazendo as contas em dólares, algo em torno de $100,00 por mês cada uma.)
Tinha chegado a Manaus pelo aeroporto velho, que parecia um improviso de campanha, mas era gostoso ir lá à noite tomar cafezinho e arejar do calor abafado do dia. E agora o novo aeroporto, muito confortável, muito bonito, donde algumas vezes partira para o Rio e onde outras tantas chegara, não nos convencia a sair definitivamente por ele. Seria por terra, num Opala velho que o Rodolfo Funes me deu, com duas rodas sobressalentes, a dele e outra que sobrava da Caravan do Aníbal Bessa e ele insistiu que eu levasse. Deixámos em casa dos amigos Artur Nogueira/Marisa Lobato os dois filhos que tínhamos em idade escolar para terminar o ano e partimos com os outros cinco, minha muher grávida de sete meses, muita fé e alguma coragem. Provavelmente não voltaríamos mais ao Amazonas. E esta ideia ressoava em nós como uma perda.


Lino de Miranda

Bacharel em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra, Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pea UNESP e doutorando na mesma área pela UNESP; foi professor na UA, na UNESP e na Universidade Católica Portuguesa.

OBS. QUEM DAVA AS REFERIDAS AULAS DE GREGO NO TEXTO ERA LINO DE MIRANDA.

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